Clichê essa coisa de se manter fiel à sua essência ... mas dá resultado, né?
uma aula de posicionamento e consistência com a família Hermès
Faz pouco tempo que comecei a me interessar por moda. Quer, dizer … esse print do facebook desmente a minha declaração. Acho que eu só fiquei distraída com as coisas da "vida adulta" e esqueci dessa paixão.
A real é que para mim, todas as formas de expressão são muito relevantes, inclusive um belo lookinho que representa a minha identidade/jeito de pensar. Com o tempo fui ganhando mais consciência do meu estilo. Observei, testei, compartilhei, escutei e - mais recentemente - comecei a estudar. Me vi interessada em entender a dinâmica desse mercado, a história das grandes marcas, o papel social e cultural desse segmento e inevitavelmente passei a maratonar os 10.000 filmes e séries que existem sobre o tema. Nessa jornada, uma marca de luxo chamou muito a minha atenção. Ela está fora dos grandes holofotes e, mesmo assim, é uma das mais valiosas. Ela chama atenção por simplesmente fazer o oposto do senso comum - em termos de negócio - e é justamente isso que garante seu crescimento "lento" e constante.
Na news de hoje, bora
Objetivo: entender a estratégia da Hermès
Referências: redes sociais e site oficial, estudo de caso by BOF e podcast da Acquired (recomendo MUITO esse podcast, são 4hrs de história riquíssima em detalhes).
Flow de conteúdo:
Parte 1 - A origem de seu posicionamento
Parte 2 - Os pilares que sustentam seu posicionamento
Parte 3 - Fechamento
Parte 1 - A origem de seu posicionamento
A história começa há 187 anos quando Thierry Hermès decide começar um pequeno empreendimento. Thierry era um artesão. Isso significa que ele tinha uma tara por fazer produtos de altíssima qualidade e perfeita funcionalidade. Sua expertise, na época, era fazer produtos de couro, então começou seu empreendimento vendendo majoritariamente produtos de couro para cavalos. Vale lembrar que essa era uma época em que os carros ainda não tinham dominado o mundo e os cavalos eram usados para locomoção e também para prática esportiva.
Com o tempo, a marca foi expandindo sua atuação para outros segmentos e conquistou relevância entre a pequena, porém relevante, elite da época (alta realeza, rs). O controle da marca se manteve entre família, geração após geração e, até hoje, é controlado pelos Hermès. Esse fato, na minha percepção, diz muito sobre a consistência de posicionamento e construção da marca que desde 1837 se mantém fiel ao princípio artesão.
posicionamento hoje-
Aqui vale uma perspectiva histórica que trago com base nesse livro. O mercado de moda como conhecemos hoje começa a ganhar tração - do ponto de vista social - quando a história de se vestir de acordo como uma determinada classe cai e é possível se vestir de acordo com os próprios gostos/interesses de vida (sim gente, essa história do lifestyle é bem mais antiga do que se imagina … antes só não tinha esse nome). As marcas de alta costura entram no segmento de prêt-a-porter e mais pessoas fazem parte do clubinho dos ricos. Nesse período, as marcas adotam dois tipos de estratégias - conscientes ou não disso - de um lado temos:
marcas que fazem moda como arte: as peças são feitas não para serem úteis em seu core, mas principalmente para serem belas. Os designers são os artistas que têm uma visão, muita baseada na lógica da arte, sobre o significado que cada peça carrega. Muitas vezes, nem "belas" as peças são, já que a função da arte é, inclusive, contestar o que é o "belo".
marcas que fazem moda como ofício: as peças são feitas para serem úteis. Há um grande apreço pela forma como é construída, pela sua funcionalidade e caimento perfeito. O designer é o próprio artesão e a fabricação da peça é o seu estado de arte.
Com essa simples visão já fica claro como o mercado de luxo se divide né? Hermès tem sua origem na moda como ofício. Não tenho o repertório completo com a história das principais marcas de luxo que conhecemos hoje, mas vou me arriscar dizer que a Hermès é uma das poucas que começou com essa veia e permanece até hoje. É só olhar para o grupo LVMH .. as marcas ali fazem um grande espetáculo a cada troca de artista; ou deveria dizer Diretor Criativo.
Parte 2 - Os pilares que sustentam seu posicionamento
Feito a mão com materiais de altíssima qualidade
Tem uma história muito curiosa sobre o encontro do dono da Hermès com Ford. Era um momento em que Ford apresentava seus carros e toda inovação industrial atrelada à inovação. Na época, a maioria dos empresários ficaram maravilhados com o processo que otimiza custo e aumenta a produtividade, mas não a família Hermès. O primeiro pensamento não foi "uau, como eu posso crescer meu negócio a partir dessa nova lógica otimizada de fabricação e novos mercados que se abrem com a facilidade de locomoção!" mas sim: "como vou manter meu negócio relevante em uma sociedade em que os cavalos perdem relevância?"
Para a família era inimaginável abrir mão da qualidade de um produto feito a mão. Mesmo que isso "atrasasse" seu crescimento. Para a família era inimaginável terceirizar a sua produção a um fornecedor que não conhece a qualidade e não atende a seus valores de excelência. Mesmo que isso "limitasse" seu mercado de atuação. Para a família não fazia sentido ser ambicioso, acelerar seu crescimento do negócio de acordo com a nova lógica de produção e matar a essência do seu negócio. E até hoje é assim que eles pensam.
Poucos itens são terceirizados; só aqueles que confiam na qualidade do fornecedor e, acredite, eles são muito criteriosos. As bolsas de couro ainda são feitas a mão, por um único artesão que demora em média 15 a 20 horas para terminar uma peça. Seus fornecedores de matéria-prima são muito próximos, alguns foram comprados pela marca e isso permite que desenvolvam texturas, cores e acabamentos próprios. A preocupação com a qualidade da matéria-prima em seus artigos de luxo é tanta que fazem programas com incentivo financeiro para seus fornecedores tratarem da saúde de seu gado e, como consequência, terem um couro de qualidade. Até uma fazenda própria para criação de jacarés eles investiram, garantindo que o animal não seria maltratado durante a criação.
A consequência desse modelo de atuação é sim um crescimento limitado pela sua capacidade produtiva o que por um lado, limita o tamanho de mercado mas, por outro, valoriza o preço de seus produtos escassos. Para você ter uma dimensão do que eu estou falando, a lista de espera para comprar uma Birkin pode chegar a 5 anos e o seu preço não é menor que R$100k.
Design que sempre está "na moda"
Curiosamente, Hermès demorou para ter um diretor criativo e, até hoje, a visão desse não deve ser maior que o posicionamento da marca (meu coração de estrategista até aquece ao escrever isso): utilidade, qualidade e feito a mão. A estética de seus produtos, assim como a "alma" da marca, são discretos e há pouca inovação. Seus produtos heróis, as bolsas Kelly e Birkin, fazem sucesso desde 1935 e 1984 respectivamente… quer prova de um sucesso mais atemporal que isso? Ao longo dos anos a empresa conseguiu se crescer em segmentos que até então não eram seu ponto forte
Tem uma história muito interessante que ilustra esse espírito consistente da marca. Em um ano onde o crescimento estava estagnado, a marca era associada à tradição. Pessoas jovens não tinham interesse em usar seus produtos, quem o fazia eram seus pais .. não tinha um sex appeal. A primeira reação poderia ser:
"precisamos inovar. Trazer produtos mais sexys que falam com essa nova geração! Talvez trazer um designer cool, do mercado do entretenimento para revitalizar".
Mas claro, não foi isso que eles fizeram porque, de novo, ia matar a essência da marca. A solução, na época, foi fazer uma campanha de pessoas jovens usando o produto que queriam impulsionar - lenços- de um jeito inovador … um jeito que as suas mães não usavam. Não achei aqui campanhas da época mas fiz uma simulação de como imagino acontecendo:
A famosa estratégia da comunicação baseada no boca a boca e intensificada pela escassez
Se você tem uma produção limitada e uma lista de espera de 5 anos para os produtos heróis da sua marca, quantos % você investiria em comunicação? Parece piada, né? Mas não
É claro que a marca investe em estratégias de comunicação mas bem menos que seus concorrentes do mercado. Também não faz marketing com celebridades, não participa dos eventos de red carpet e não, não tem tik tok. Sua estratégia é simples: comunicar a marca e divulgar os produtos mais difíceis de serem vendidos. Os demais, deixa que o boca a boca resolva. E, de fato, resolve … a marca está tão presente na vida dos famosos e pessoas rycas que é a terceira marca de luxo mais falada no tik tok sem nem mesmo estar na plataforma. Teve muita construção até aqui, sim. Poucas sobreviveram a esse tipo de estratégia mas - até pelos pilares competitivos - é o que faz sentido e é o que gera valor.
O que mais me fascina na sua comunicação é a consistência com os símbolos da marca. Tem o laranja, tem o H mas tem principalmente os cavalos e os elementos que remetem a esse universo equestre. Desde 1837 está martelando no mesmo imaginário, nas mesmas associações. Mesmo entrando em novos segmentos, se manteve fiel. Algumas refs são mais óbvios, outras menos:
Parte 3- Fechamento
O que mais me encanta dessa história é que em nenhum momento, mesmo quando tudo indicava que o caminho do sucesso seria o oposto, a família Hermès foi contra aquilo que acreditava. Isso fortaleceu seu posicionamento e transformou, o que nos olhos dos outros era uma fraqueza, em uma grande vantagem competitiva.